Artigo publicado na Gazeta do Povo de Curitiba, seção Opinião, edição de 22 de julho de 2015.
Governado há mais de 20 anos por políticos de esquerda, o Brasil atingiu um estágio perigoso de escassez de algumas condições básicas para a manutenção de uma sociedade ordenada e funcional; entre elas, o altruísmo e a confiança.
A confiança é a base de todos os contratos e acordos firmados entre os membros de uma sociedade. Um ser humano, para viver, precisa interagir economicamente com os outros, através da compra, venda e troca de bens e serviços, e essas interações só são possíveis se as partes confiarem suficientemente umas nas outras a ponto de arriscar uma transação. Na falta desta confiança básica, as pessoas sentem medo de sair perdendo, e tudo o que antes era feito “no fio do bigode” passa a exigir quantidades enormes de verificações e autenticações que adicionam custo aos processos econômicos e desgosto aos cidadãos respeitadores da lei. As empresas, por sua vez, também precisam modificar suas políticas para não acumular prejuízos, rebaixando todas as pessoas honestas ao nível de possíveis aproveitadores.
O papel da agenda de esquerda neste processo degradante é bastante claro: ao estimular a dependência do Estado e enfraquecer a responsabilidade individual, o governo assume cada vez mais o papel de intermediador da confiança e de regulador da honestidade, algo para o que não tem vocação e nem capacidade. O processo se propaga a cada geração de forma cumulativa, e não se restringe apenas à confiança básica – o altruísmo padece tremendamente sob a ideologia de esquerda.
As políticas assistencialistas implementadas no Brasil nas últimas duas décadas são totalmente opostas ao altruísmo genuíno. Em vez de estimular as pessoas a ajudar o semelhante necessitado, elas acabam “terceirizando” a caridade feita localmente, a qual possui inúmeras vantagens sobre o assistencialismo estatal:menos intermediação, maior controle sobre quem precisa ou não ser ajudado e conexão real entre quem doa e quem recebe. Além disso, há um abismo moral entre a doação voluntária e o assistencialismo feito com dinheiro confiscado, aquele que os governos costumam chamar de arrecadação de impostos. E, por último, ações locais de altruísmo não compram votos; programas de ajuda governamental sim.
Novamente, o efeito cumulativo é inevitável. Quanto mais gente é atendida pelos programas do governo, maior é o custo dos mesmos; ao mesmo tempo, diminui-se o número de pessoas economicamente ativas, o que eleva a carga tributária sobre os que produzem, que por sua vez deixam de fazer a caridade local e pessoal por falta de recursos e porque “o governo já está fazendo”. E, por mais que os governos insistam em dizer que seus programas tiram as pessoas da miséria, o número de inscritos só faz aumentar: não há porta de saída, somente de entrada.
O desenvolvimento da confiança básica e o aprendizado do altruísmo, que deveriam ser um passo importante na conquista da competência adulta, estão em extinção na juventude brasileira. A criança e o adolescente de famílias necessitadas aprendem que podem e devem contar com o governo para cuidar de suas mazelas. Salvo se instruídos em algum momento de suas vidas por alguém que lhes exponha a verdade, tornar-se-ão adultos dependentes da ajuda estatal e desconfiados de qualquer um com condições econômicas mais favoráveis. Nas famílias não necessitadas, a lição será diferente: ser bem sucedido e cumprir a lei tem uma punição, a de ter seu dinheiro confiscado e entregue a alguém que você não conhece. E isso tudo se você conseguir sair de casa e dar um passo sem achar que vai levar uma rasteira de seu semelhante na próxima esquina.
Não bastava sermos o país dos Gérsons; somos agora um país de Gérsons egoístas e dependentes. Fomos transformados numa nação de crianças mimadas.
Flavio Quintela é escritor e tradutor de obras sobre política e filosofia, e autor dos livros “Mentiram (e muito) para mim” e “Mentiram para mim sobre o desarmamento”.